quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Ciências.

Do Globo Universidade, página hospedada no portal da Rede Globo, entrevista com o natalense doitor em Astrofísica, José Dias do Nascimento, meu amigo Mosquito, com quem tomei muito vinho em Toulouse, na França, quando ele ainda pesquisava as estrelas subgigantes.
Hoje orgulha saber que está se preparando para um período como professor convidado na Universidade de Harvard…
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Astrofísico José Dias fala sobre estrelas gêmeas solares
‘As gêmeas representam o passado, o presente e o futuro do Sol’, destaca
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Compreender os estágios da evolução do Sol parece ser um objetivo distante.
Física e intelectualmente.
Mas não é uma realidade inalcançável. Um grupo de pesquisadores de várias universidades do Brasil é noticia há várias semanas pela descoberta de mais uma estrela “gêmea” do Sol.
O doutor em astrofísica e técnicas espaciais, José Dias do Nascimento, é um deles. Antes de concluir um período de pesquisa na Universidade Paris-Sud e começar outro como professor convidado do Smithsonian Center for Astrophysics (CfA), na Universidade de Harvard, o astrofísico tenta explicar em palavras terrenas o significado dos seus projetos de pesquisa para o Brasil e o mundo.
Globo Universidade – Como surgiu o seu interesse por astronomia?
José Dias do Nascimento – Foi por volta dos 12 anos, quando eu lia a série do Carl Sagan chamada “Cosmos”. O meu pai comprou este livro para mim e, a partir dele, eu comecei a perceber a grandiosidade do universo e da astronomia. O que mais me encantava era a maneira como o Carl Sagan apresentava a conexão que a gente tem com o cosmos. Posso dizer, então, que a série foi a porta de entrada para a astronomia no meu caso.
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GU – Como foi sua formação acadêmica?
JDN – Assim que eu concluí meu curso de Bacharel em Física na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), já fiz o meu mestrado em astrofísica e, em seguida, me candidatei para uma bolsa de doutorado no Observatoire Pic Du Midi, na Université Paul Sabatier, em Toulouse, na França.
No doutorado, me juntei a um grupo de pesquisadores que estudavam a evolução do Sol e das estrelas. Neste mesmo período surgiram várias novidades no campo da astrofísica, sobretudo na astrofísica estelar.
A primeira novidade foi a descoberta dos planetas extra solares e a segunda foi o aparecimento de uma missão francesa chamada CoRoT. Esta missão espacial enviou um satélite para estudar a convecção, a rotação e o trânsito dos planetas, ou seja, a missão tinha como objetivo estudar as alterações do Sol e das estrelas do tipo solar, além de buscar novos planetas.
Então eu passei todo o meu doutorado ouvindo sobre essa missão e quando eu voltei para o Brasil soube que havia aberto uma chamada de projetos. Decidi participar desta chamada, fazendo a sugestão de um destes projetos, que estaria relacionado justamente à busca por estrelas “gêmeas”.
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Como se iniciaram estes estudos?
JDN – Há 30 anos, os pesquisadores franceses J. Hardrop e G. Cayrel de Strobel perceberam que havia a possibilidade de existirem estrelas muito parecidas com o Sol, mas, nessa época, ainda não haviam descoberto nenhuma delas. A partir de então, surgiram vários grupos de pesquisa no mundo todo para encontrar estes objetos similares ao Sol. Foi quando, em 1996, o astrofísico na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Gustavo Porto de Melo, conseguiu observar a estrela 18Scorpion, da constelação de Scorpion, que foi a primeira “gêmea” que apareceu na literatura internacional de astrofísica. Como eu era muito amigo do Gustavo, nós partimos numa busca internacional por outras estrelas “gêmeas”.
Mais ou menos 12 anos depois, eu conheci o professor Jorge Melendez, que estava trabalhando na Universidade do Porto, e foi quando nós começamos a fazer uma busca por “gêmeas”, isso em torno de 2008 ou 2009.
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GU – É destes estudos que vêm essa riqueza de resultados que estamos tendo no Brasil hoje?
JDN – Para se ter uma ideia, nós podemos dizer que o projeto do nosso grupo – ou seja, eu, Jorge Melendez e Gustavo Porto – lidera as pesquisas mundiais em busca de “gêmeas” solares.
Ao longo dos nossos estudos, nós já descobrimos três estrelas: a CoRoT Sol 1, que foi a que nós observamos através do satélite; a 18Scorpions, que o Gustavo descobriu e observou nos anos 1990; e a mais recente é a estrela do Jorge, que ele publicou há poucos dias.
Passaram-se 30 anos e hoje nós temos cerca de cinco estrelas “gêmeas” descobertas com propriedades incrivelmente similares ao nosso Sol, o que é muito pouco, porque nós precisamos de calibradores para entender a evolução do universo e, até agora, só tínhamos o Sol.
Será que o Sol é uma estrela normal ou especial? Quantas estrelas idênticas ao Sol existem? Então essa é a base das nossas pesquisas.
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GU – E o que a descoberta destas cinco estrelas significa para o mundo?
JDN – Elas significam, na realidade, que sistemas muito parecidos com o nosso são possíveis e isso possibilita o abandono da visão heliocêntrica que existe na humanidade até os dias de hoje. Nós não temos apenas um Sol no universo, temos vários. Isso é um ponto importante, porque até o momento falava-se na possibilidade de existirem estrelas similares ao Sol, mas elas nunca haviam sido descobertas. Hoje, porém, nós já temos um grupo de estrelas para ser estudado.
Estas estrelas são importantes porque representam o passado, o presente e o futuro do nosso Sol. A estrela HIP102152 é a “gêmea” mais velha já descoberta e pode nos falar sobre o futuro do Sol. A 18Scorpions é a mais nova e representa o passado. E temos, ainda, a CoRoT Sol 1, que é um pouco mais velha que o Sol também. E nós tomamos o nosso Sol como o presente.
Em uma visão mais didática, podemos comparar a uma pessoa que tivesse irmãos gêmeos de idades diferentes, mas que são completamente iguais.
Ao olhar para o nosso irmão mais novo, podemos ver como nós éramos no passado. E olhando nosso irmão mais velho, poderemos saber como estaremos daqui a alguns anos. Essa, portanto, é a visão evolutiva dos estudos das “gêmeas”.
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GU – E quais são os próximos passos em relação à descoberta da nova estrela “gêmea”?
JDN – Neste momento, nós estamos trabalhando na melhor caracterização destes objetos.
Uma vez que a gente descobre uma “gêmea”, tentamos caracterizá-la da melhor forma possível, ou seja, compreender exatamente qual o seu raio, a sua massa, além de fazer novas observações para ter certeza que nós estamos vendo o que achamos que estamos vendo.
O segundo passo, baseado no meu interesse mais particular, é observar o magnetismo dessas estrelas, porque uma das fontes de extrema dependência entre a Terra e o Sol, além da radiação que recebemos todos os dias, é o campo magnético.
Neste meu projeto particular, que está concentrado lá em Natal, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), já existe um grupo que está desenvolvendo o estudo magnético dessas estrelas. O que eu quero saber é quanto de campo magnético cada uma dessas “gêmeas” têm, quanto de partículas essas estrelas lançam no espaço e quanto de raio-x.
Estes estudos sobre o magnetismo e o fluxo de partículas são extremamente importantes para melhor compreender o início da vida. Então nós fornecemos elementos que vão estar diretamente ligados ao desenvolvimento da vida em cada uma dessas estrelas, se é que tem vida.
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GU – Você já afirmou que a descoberta da nova estrela mostra que a radiação do nosso Sol deve aumentar de forma que a superfície da Terra esquente cada vez mais. O que isso significa para as futuras gerações?
JDN – As estrelas “gêmeas” que nós descobrimos e que têm mais de 2 bilhões de anos representam exatamente como a radiação do nosso astro rei, o Sol, vai estar daqui há 2 bilhões de anos.
É difícil dizer o que estará acontecendo com a Terra nesta época, mas o que a gente sabe é que nós podemos traçar uma linha evolutiva de como a temperatura da Terra vai se comportar devido à própria evolução do Sol. Por exemplo, uma conta muito fácil que a gente costuma fazer, baseado nas reações das estrelas “gêmeas”, é que a radiação do Sol aumentará até um ponto que a Terra não suportará a existência de água no estado líquido.
Isso já mostra a ligação que nós temos com o nosso astro central. Ou seja, para as futuras gerações é importante compreender como a Terra vai evoluir e nós temos 2 bilhões de anos para descobrir.
GU – Há comentários sobre a possibilidade do nosso sistema solar ser bastante parecido com o sistema da estrela “gêmea” do Sol. Quais os indícios que possibilitam este pensamento? Isso indica que podem haver planetas similares à Terra em outros sistemas?
JDN – Existe uma estrela “gêmea” em particular que apresenta um perfil de abundâncias químicas que as outras estrelas não contêm.
O nosso grupo de pesquisa entende que este perfil, com esta determinada composição, é justamente a assinatura dos planetas rochosos. A princípio, os planetas e as estrelas são formados da mesma matéria, mas alguns dos elementos fundamentais para a formação dos planetas são oriundos das estrelas, como se elas doassem parte de sua composição química para a formação dos planetas.
Para você chegar nessa afirmação, porém, é necessário fazer uma observação extremamente robusta através dos telescópios.
Uma das novidades desta estrela “gêmea” é que ela tem um nível de abundância que parece indicar que ela está inserida em um sistema planetário com planetas rochosos, como a Terra por exemplo.
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GU – Em 2010, o Brasil assinou um acordo para aderir ao Observatório Europeu do Sul (ESO), uma das principais organizações de pesquisa em astronomia. A definitiva entrada do país neste grupo ainda depende da aprovação do Congresso, mas o que esta nova parceria significa para a astronomia brasileira?
JDN – Hoje, a astronomia brasileira conta com possibilidade de acesso ao céu do norte, através do telescópio Gemini e CFHT (Canada Hawaii Telescope), que são gerenciados pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). Vale ressaltar a importância do LNA nestas recentes descobertas. No entanto, em relação ao céu do sul, nós ainda não temos nenhum observatório com os instrumentos competitivos e de alta performance como os que o ESO fornece. A entrada do Brasil no ESO, portanto, significa uma grande conquista para as futuras gerações de astrônomos, astrofísicos e astroquímicos brasileiros. Posso dizer que esta é a porta de entrada para o futuro da astronomia, porque não se faz mais astronomia com poucos recursos. O ESO possibilitará aos astrônomos brasileiros o acesso aos mais modernos instrumentos disponíveis. Mas é importante dizer, também, que o Brasil precisa continuar investindo no céu do norte e na observação espacial através de satélites.
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GU – Na sua opinião, qual a importância do apoio das universidades nos processos de pesquisa?
JDN – As universidades desenvolvem um papel fundamental junto aos projetos de pesquisa. A USP e a UFRN, por exemplo, participam deste tipo de descoberta lado a lado com as melhores universidades do mundo, como a Paris-Sud e a Universidade de Harvard, onde eu trabalharei pelos próximos 18 meses, talvez dois anos. Ou seja, vale destacar a importância de uma universidade sólida, com recursos, para que a ciência esteja nesse padrão internacional e traga resultados efetivos.
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GU – E como a participação dos jovens pode ser inserida nesse contexto?
JDN – Os jovens precisam abrir os olhos para as ciências, não só para as astronomia, porque a astronomia é a porta de entrada das ciências. É sempre a partir do telescópio que a gente começa a perceber a beleza da luz, das lentes.
A beleza da própria biologia, geologia, arqueologia…
Hoje o Brasil já possui universidades muito bem estabelecidas, mas ainda precisa de mais profissionais cientistas e engenheiros se quiser dar um passo além no ponto de vista da economia global. A ciência e a tecnologia atuam como os principais componentes que nos aproximam dos países de primeiro mundo, quer dizer, o que nós temos hoje aqui é fruto do desenvolvimento da ciência e da tecnologia ao longo dos últimos séculos.

Fonte: Thaísa Galvão
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